Todos os dias eram iguais na vida de Marcela. Acordava em cima da hora e nem tomava café. Via de relance sua mãe e seu pai, no carro, porque, em casa, cada um estava no seu celular. Não percebia seu irmão de dois anos, com a babá. Com o fone no ouvido, ouvia suas músicas prediletas. Assistia as aulas, aprendia coisas sem sentido para o que queria da vida, almoçava, ia para o inglês ou para a academia, voltava, estudava, jantava e dormia.
Graças a Deus tinha o celular para assistir o que se passava no mundo. Contatava suas amigas, assistia a vida de cada uma no Instagram e no face book, sabia o que os outros estavam fazendo e ela não podia fazer. Ouvia os conselhos das blogueiras. Elas a entendiam e sabiam do que ela precisava. A sensação era que a vida passava diante dela , enquanto se ocupava com o que não atendia às suas necessidades. O Natal estava chegando e Marcela achava um saco estes encontros de família.
Dia 23, antevéspera do natal, desceu as escadas correndo para pegar carona com seu pai rumo à academia quando sentiu o pé resvalar no degrau, esborrachando-se no chão. Uma dor intensa na perna e seus pais a levaram para o hospital. Uma perna quebrada foi o saldo da queda e os próximos dias dentro de casa. Seu celular voou longe ao cair e quebrou-se.
24 de dezembro. Marcela acordou e olhou seu quarto. Seus olhos pararam numa foto dela e dos pais numa viagem de férias. Uma boneca na prateleira que nunca quisera desfazer-se porque fôra um presente de Natal muito desejado, trouxe à sua memória as brincadeiras com as coleguinhas do prédio daquela época. Perdera contato com elas. Percebeu que sua mente resgatava momentos felizes de sua vida e sorriu.
Ouviu a vozinha de seu irmão e pediu à babá que o trouxesse. Como ele era lindinho...abraçou-o e ele sorriu. Brincou com ele e contou a história do seu dodói. Ele a ouvia interessado. Sua mãe entrou no quarto. Seu rosto estava tenso, preocupado com ela. Logo dia de Natal, filha... como você está? Surpreendeu-se dizendo, estou ótima!
O pai entrou em seguida, sentou-se na cama, abraçou-a e disse,
- Filha, graças a Deus você está bem. Poderia ter sido um desastre muito pior.
Esqueceram o mundo lá fora. O medo e a tensão dos acontecimentos trouxeram a família para o momento presente. Tomaram café juntos, conversando, rindo com Pedrinho cuja papa encontrava todos os caminhos, menos o da boca.
No sofá, Marcela participava dos preparativos para a ceia de natal e observava sua família. Não lembrava de ter feito isto antes...observar o que estava do lado de fora, sem crítica e participar. Ali estava a sua vida e não a vida dos outros. Sentir-se doando e recebendo amor através de atitudes tão simples, a desconsertava.
Por que não havia visto nada disso antes? Onde estavam todos? no mundo virtual, focados no que não era sua realidade, sem perceber o mundo que possuíam.
Agora entendia aquele ditado: “O que os olhos não veem, o coração não sente”.
Era verdade. Os olhos precisam ver, para o coração sentir. Agora, seu coração sentia, no encontro verdadeiro com as pessoas, o que ela buscava na vida dos outros e não conseguia achar, porque não era seu.
Milagre de Natal? As vezes Deus nos para, na tentativa de nos fazer perceber o essencial!
A Portela & Cavalcanti
Deseja a você um feliz natal e um novo olhar no ano que se inicia, mesmo que a paisagem continue a mesma!
Vânia portela